sábado, 31 de março de 2007

ROTINAS - Marina Castro



Por: Marina Castro


Tenho ido pensando em não ir, chego pensando em voltar, volto pensando em deixar de pensar essas, que me convencem à trancar-me dentro de mim, recolher-me às quatro paredes do meu paraíso secreto.
Estou cansado de sonhar, com o que não sei se ainda quero, estou cansado de anotar o que já copiei tantas vezes e se me pedissem, eu repetiria de cór. Aprendi a dividir com quem precisa, o que paguei caro e antes, não emprestava se quer por caridade, aos menos dotados de conhecimentos específicos, ou por pena, das suas mentes pobres de paciência, para a leitura, ou ainda aos deficientes gramaticais.
Estou cansado de ser, o que não sou mais, à minha vida, sinto saudade de coisas que nunca gostei de fazer, do tempo em que iamos ao supermercado, sem presa, comparando preços, escolhendo marcas, contando calorias; iamos ao shopping, sem medo de voltar com os bolsos vazios, depois que a velha mania alheia de vaidade, levasse-me tudo e o que não tinha.
Tenho procurado-me nos bares, sempre que viro a esquina das minhas amadas ruas, indo encontrar-me com outra alma sábia, que repetira tudo o que já sei, escreverá tudo como tenho em outras anotações, com giz branco ou colorido, o que não me fará muita diferença. Passo direto fingindo não ver minha mesa, de todas as vezes, por instantes, penso em descer um pouco, ir encontrar com o velho sorriso de sexta-feira ou final de tarde da capital do tédio, dos meus antros de conversas altas, fumaça e bandejas ido e voltando cheias de copos e garrafas, sobre as cabeças. Ah... se eu pudesse estar ali novamente... deixaria o meu cansaço, levar a mão ao copo, cheio de espuma amarela, como uma carícia, enchendo-me a alma de sonhos borbulhantes.
Não sou mais homem, para trair meus objetivos! Tornei-me um deles, que não veem nada de mais, em irem para uma aula de matemática ou lógica, em pleno sábado às seis e meis da manhã. Fui salvo, por uma lembrança, de um outro amanhecer recente : minhas pernas, levando-me para o isolamento, pregando-me na maldita cadeira, enfiada na mesa individual de estudos, o cérebro, perdido em devaneios da poesia ronaldiana,com a estupidez romântica, li poucos capítulos das páginas daquele livro que encontrei e distraiu-me em tantos intervalos, livrinho estranho, acho que a primeira edição do autor; agredi inspiração, emudeci pensamentos, cortaram relações comigo, indignados por aquela leitura . Meio tonto, continuei procurando a concentração, ameaçado pelos que passavam do outro lado da janela de vidro, armados com suas apostilas, códigos, marca-textos.
Sou um pobre homem cansado, até das minhas neuroses, trancado aqui em meu quarto, perdido em páginas e versos exemplificados, que são a própria tradução de certas criaturas que me ergueram a mão, tentando ajudar-me a não partir no oceano de águas concorrentes. Não devo procurar culpados, sou o único que carregara toda ela, até que passe ou sirva-me de exemplo pra outras batalhas, não consegui seguir, porque desviei o tiro da maldita bolinha preta com a minha falta de atenção, estou ferido na alma por tiros da minha própria caneta preta.

sexta-feira, 30 de março de 2007

É incorreto afirmar que eles não têm um sonho - Marina Castro



Por: Marina Castro

Outra manhã de domingo amanhece, na capital dos insuportavéis prepotentes que crêem cegamente na certeza de um cargo público. Lá vão eles, engarrafando o trânsito, lotando a entrada de mais um local de prova, passei por um grupo, com suas garrafinhas d'água e caneta preta na segurança da bolsa vazia e tão cheia de sonhos, fiquei me perguntando: - O que não deixa essa febre passar? Porquê tantos que sempre acordam tarde, desvirginavam suas pupilas com o sol de outra manhã de domingo? Excessivamente cheios de Direito, do Português que alguns mais desprevenidos de paixão pelas letras, já não aguentam mais, desde a primeira vez, que aquele maldito professor de português entrou na sala e despejou a gramática, ofendendo-lhe até o amor que todos guardam por aquela alma que entrou na turma e que nunca esquecemos, poupe-me dessas bajulações, já odiei alguns que negaram-me décimos ou um boa tarde. Continuei olhando-os seguirem para seus destinos incertos, imaginando o que sonham essas pessoas que vão aproveitar o domingo, sentados de cabeças enfiadas na maldita sagrada que ao final da tarde terá traçado sua felicidade, levado-os ao inferno das questões que ecoam na mente até a hora do gabarito.